Segue a entrevista na íntegra:
1) O fazer o bem pode trazer benefícios a vida de uma pessoa? De que
maneira?
Em um experimento
com ressonância magnética funcional[1]
quando uma pessoa doou parte de seus bens o aparelho registrou uma ativação no núcleo
accumbens[2] e na ínsula,
regiões cerebrais
ligadas a área de recompensa emocional. É
interessante constatar que pessoas comem doces, chocolates, comidas muito
saborosas ou fazem sexo têm também essas regiões mais ativadas. Como ambas estão
ligadas a sobrevivência e reprodução e por isso garantem a sobrevivência da
espécie os pesquisadores e estudiosos do assunto levantaram a hipótese de que a
capacidade de compartilhar, doar, ajudar... tenham sido necessárias no curso da
evolução para garantir a progressiva socialização dos homens. Essa pesquisa
revela que, do ponto de vista neurocientífico, sentimos prazer não apenas em
receber, mas em doar e em se doar também. Provavelmente, em algum momento da
nossa evolução passamos a ter comportamentos que iam além dos mínimos
necessários para simplesmente comer e reproduzir. Em algum momento
da vida de nossos ancestrais, aqueles que tinham a capacidade de se solidarizar deixaram mais descendentes
do que aqueles que não se solidarizavam. Até o ponto que os últimos
praticamente desapareceram. Neste sentido, ser solidário, ser capaz de sentir o
que o outro está sentindo, passou a ser mais vantajoso evolutivamente falando,
do que não o ser. As pressões evolutivas que forjaram a empatia, a
solidariedade nos humanos, acabaram por criar uma das dinâmicas comportamentais
mais impressionantes da evolução. Em outras palavras, o comportamento altruísta
se manteve, foi selecionado porque trouxe benefícios ao grupo.
A nível individual foi
observado que o ato de ajudar aos outros pode trazer vários benefícios. Os mais
evidentes são o aumento da autoestima. Em geral, isso acontece porque a pessoa
se sente útil aos outros, se sente especial, importante. Muitas pessoas que
sofrem de depressão, por exemplo, e partem para trabalhos voluntários com o
passar do tempo percebem uma melhora significativa no seu humor e na melhora do
convívio com seus pares.
2) Muitas pessoas dizem não conseguir ajudar o outro por não dispor de
tempo ou dinheiro. Podemos desmistificar os atos grandes (trabalho voluntário,
atuação em ONGs e centros de caridade), e dizer que é possível ajudar ao
próximo com pequenas ações? Você poderia citar algumas destas ações?
Generosidade e solidariedade são coisas boas.
Dar uma força, uma mãozinha, quebrar um galho devem ser exercitadas e
executadas por todos, desde o cidadão comum até os governos. As formas de falar
- e ajudar - são muitas e podem ser classificas em três grandes grupos:
a) Ajudas emocionais: alegrar pessoas enfermas em hospitais como é o
caso das pessoas que aderem ao papel de palhaços e animadores, fazer visitas a
pessoas idosas ou a orfanatos, ouvir e aconselhar um amigo que passa por
problemas emocionais, participar de algum tipo de voluntariado, fazer visitas a
pessoas enfermas...
b) Ajudas financeiras e materiais: adotar financeiramente uma instituição
filantrópica, ajudar pessoas com roupas e mantimentos, por exemplo, em
tragédias ou catástrofes naturais (deslizamentos de terras, enchentes,
secas...), ajudar financeira e materialmente um familiar ou amigo...
c) Apoio político devido a identidade de pensamento: apoiar algum grupo
político minoritário, participar de passeatas, assinar um ato político...
Em suma, participar de qualquer atividade que ajude aos outros de alguma
maneira é uma forma de manifestar solidariedade.
3) Ser mais tolerante e paciente com as pessoas e até com as próprias
limitações da vida é uma maneira de fazer o bem?
Sim.
Pessoas mais tolerantes as frustrações tendem a criar vínculos mais saudáveis.
Em geral são pessoas mais afetivas. Uma pessoa que aceita a vida como ela é e
consegue conviver com as frustrações derivadas dos relacionamentos consegue
desenvolver melhor seu autoconceito.
4) Fala-se muito hoje de relações superficiais, que muitas pessoas não
conseguem desenvolver vínculos mais profundos e manter amigos por falta de
generosidade com o outro. Por não conseguir doar-se e saber trocar. O fazer o
bem também poderia ser aplicado nestes casos? De que maneira?
A
postura solidaria ou o fazer o bem ao outro envolve a capacidade de identificar e compartilhar o sentimento de outra
pessoa. Está associada ao sentimento de empatia que é quando o sentimento do
outro passa a ser a mesma morada. É quando um se coloca no lugar do outro e
parte para ajudar. Pode-se dizer que é uma das características mais
impressionantes da nossa espécie. Inclusive a nossa espécie é a única que
conforta seus semelhantes na dor. Somos capazes de identificar com detalhes a
dor do outro e sentir fisiologicamente o que este outro deve estar sentindo. Se
o vizinho, por exemplo, perde um filho jovem, somos capazes de chorar pela dor
que ele está passando, mesmo sem nunca termos conversado com o vizinho.
5) O que a pessoa deve ter em mente ao decidir mudar suas atitudes para
ajudar o outro? É preciso abrir mão do que para realmente fazer o bem de uma
maneira orgânica?
A pessoa
precisa se livrar de sua vaidade e começar a observar mais aos outros ao seu
redor. Fazer um exercício de observar os desejos e necessidades dos outros.
Vale também indagações do tipo: Quanto
você faz pelo outro? Qual o seu tempo gasto com o outro? Quanto você presta
atenção no que o outro fala?
Se você não sente satisfação em estar com o outro, prestar atenção,
fazer pelo outro provavelmente você não é uma pessoa afetiva ou
solidária.
E como mudar isso? Para mudar é necessário a difícil arte de se envolver
com as pessoas. É preciso experimentar contextos mais afetivos, ou seja, entrar
em contato com pessoas sensíveis as outras e observar o comportamento delas
como modelo de ação. Todavia, comportar-se afetivamente e controlado por regras
no início não é saboroso. Para o afeto fazer parte do repertório é preciso
muita paciência e muitas histórias de convívios afetivos. A seguinte regra
é muito necessária: “Tomar decisão sempre pensando no outro”, no início é uma regra
emprestada que não produz ganhos, mas se experimentada produz bons frutos
porque as outras pessoas de aproximam mais e retribuem com afeto. Há ainda
outras regras que servem como incentivadoras de afeto como por exemplo: “Procure honestamente ver as coisas do ponto
de vista do outro.”
6) Esta transformação interna pode ser algo trabalhoso? Como tornar
isto algo mais tranquilo e natural?
É algo
trabalhoso porque envolve o desenvolvimento do repertório afetivo. Que na sua
essência envolve a capacidade de se colocar no lugar do outro e fazer algo para
ajudar. Como vivemos em uma cultura muito competitiva o ato de ser generoso é
pouco ensinado ou entra em condições de incompatibilidade. Por isso ir para a
terapia é um caminho mais rápido porque há o terapeuta como fonte de modelo
afetivo e como modelador do repertório de empatia. No entanto, como a terapia é
relativamente algo caro, seguir exemplos de pessoas afetivas e tentar
reproduzir tais comportamentos no cotidiano pode ser uma boa saída.
7) Se ela quiser começar esta transformação amanhã, o que pode começar
mudando?
Comece
por atos simples. Todos os dias pratique pelo menos um ato de
bondade. Pode ser até uma palavra de conforto que possa refletir sua
solidariedade para aliviar a dor de alguém. Lembrando que ter compaixão do
outro abre espaço para se importar com essa pessoa e ajudar. No
entanto, isso não precisa ser dito e nem deixado claro para a pessoa que está
sendo ajudada porque ela pode vestir o papel de vítima ou em casos de orgulho
pode não aceitar a ajuda.
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Reginaldo do Carmo Aguiar é psicólogo clínico comportamental, analista do comportamento e estudioso das Neurociências.