(2) abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos:(a) síndrome de abstinência característica para a substância (consultar os Critérios A e B dos conjuntos de critérios para abstinência das substâncias específicas)(b) a mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência.
(3) a substância é freqüentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido.
(4) existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância.
(5) muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância (por ex., consultas a múltiplos médicos ou fazer longas viagens de automóvel), na utilização da substância (por ex., fumar em grupo) ou na recuperação de seus efeitos.
(6) importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância.
(7) o uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância (por ex., uso atual de cocaína, embora o indivíduo reconheça que sua depressão é induzida por ela, ou consumo continuado de bebidas alcoólicas, embora o indivíduo reconheça que uma úlcera piorou pelo consumo do álcool).
III) Síndrome de dependência(segundo critérios do CID-10):
Presença de três ou mais requisitos abaixo durante o ano anterior:
A - Forte desejo ou compulsão para consumir a substância;
B - Dificuldade de controlar o consumo no início, término ou quantidades consumidas;
C - Sintomas da abstinência, quando o consumo é reduzido ou interrompido;
D - Aumento progressivo da tolerância, requerendo doses cada vez maiores da droga para alcançar seus efeitos originais;
E - Abandono progressivo dos interesses e atividades de lazer, aumentando a quantidade de tempo necessário para obter, tomar e/ou recuperar-se dos efeitos da droga;
F - Persistência no uso da substância, apesar das evidências nocivas.
IV) Outros critérios de avaliação:
Sinais e sintomas importantes de serem investigados:
Baixo estreitamento do repertório
Baixa proeminência da substância
Baixo alívio ou evitação dos sintomas de abstinência com o uso da substância
Baixa reinstalação da síndrome de dependência após um período de abstinência.
V) Conceitos:
TOLERÂNCIA: Necessidade de uma dose cada vez mais alta para produzir o mesmo efeito inicial.
A interação entre as diversas variáveis ligadas à droga, ao indivíduo e ao ambiente podem levar ao consumo exagerado, caracterizado pela perda do controle, alterações do estado psicológico, problemas de saúde, diminuição da qualidade de vida e prejuízo das atividades sociais. Algumas das principais drogas capazes de desencadear este quadro serão discutidas a seguir.
- Disponibilidade.
- Custo.
- Pureza/potência.
- Via de administração.
- Farmacocinética.
- Capacidade de ativar as vias de reforço.
- Hereditabilidade.
- Tolerância inata.
- Rapidez em adquirir tolerância.
- Probabilidade em interpretar a intoxicação como prazerosa.
- Metabolismo da droga (farmacocinética).
- Comorbidades psiquiátricas.
- Experiências/expectativas prévias.
- Propensão ao comportamento de consumo abusivo.
- Atitude da comunidade.
- Disponibilidade de outras fontes de prazer ou recreação.
- Oportunidades ocupacionais (emprego e educação).
Nicotina
A queima de um cigarro produz monóxido de carbono e dezenas de outros produtos tóxicos, responsáveis pela alteração da oxigenação dos tecidos. Libera nicotina, substância responsável pela dependência do tabaco, uma amina terciária volátil, capaz de estimular, deprimir ou perturbar o sistema nervoso central e todo o organismo, dependendo da dose e da freqüência com que é utilizada (Henningfield & Keeman, 1993). Cada cigarro contém 7-9 mg de nicotina, sendo pouco mais de 1 mg absorvida rapidamente (cerca de 10s) pelos pulmões do fumante (Benowitz, 1998). A nicotina promove um rápido, mas pequeno aumento do estado de alerta, melhorando a atenção, a concentração e a memória em animais (Heishman et al., 1994), porém, diminuindo o apetite (APA, 1996).
Tragar cigarro produz um efeito estimulante rápido no sistema nervoso central, semelhante àquele descrito pelos usuários de cocaína/crack (Evans et al., 1995). Este efeito, em contraposição aos sintomas desagradáveis da falta da substância no cérebro, pode contribuir para a dificuldade na manutenção da abstinência, pois entre os fumantes que já tentaram parar de usar o tabaco, 5 a 7 tentativas são necessárias (APA,1996). A sensação de relaxamento e calma descrita pela maioria dos usuários tem sido atribuída à inibição de sintomas desagradáveis da síndrome de abstinência (Meliska & Gilbert, 1991). As conseqüências do uso do tabaco incluem efeitos destrutivos em vários tecidos, produzindo desde doenças pulmonares simples até alterações celulares que predispõem ao câncer, assim como alterações cardíacas e vasculares.
As ações da nicotina no sistema nervoso central são mediadas por receptores nicotínicos (USDHHS, 1998) que se encontram distribuídos por todo o cérebro e na coluna vertebral. Pesquisas em animais demonstraram poder da nicotina em induzir tolerância e dependência. Sugere-se que esta capacidade se deva à sua ação no sistema mesolímbico dopaminérgico (Leshner, 1996). A partir de múltiplos sítios de ação, a nicotina produz vários efeitos, preponderantemente excitatórios (Brodie, 1991). A administração aguda de nicotina em ratos pode aumentar a liberação de dopamina no sistema límbico e na via nigroestrital (Wise & Hoffman, 1992). A nicotina diminui o metabolismo da glicose no córtex, refletindo na modulação dopaminérgica do núcleo accumbens, causando uma diminuição da atividade talâmica (London, 1990), também estimula a liberação de noradrenalina em algumas áreas como, por exemplo, as vias noradrenérgicas que emergem do locus ceruleus, passam pelo hipocampo, e chegam ao córtex, vias estas responsáveis pela vigília e pelo comportamento de busca (Mitchell, 1993). Estudos mais recentes identificaram que vias serotoninérgicas que emergem do núcleo da rafe interagem com o sistema dopaminérgico e são responsáveis pelos efeitos reforçadores da cocaína (Richardson & Roberts, 1991). Receptores nicotínicos foram encontrados nesta via, onde a nicotina promoveria a liberação da serotonina, além de diminuir seu turnover (Wada et al., 1990). A nicotina diminui a concentração de serotonina em regiões do hipocampo que cronicamente, diminui a resposta de adaptação ao estresse ambiental (Fagerström & Schneider, 1989). Em relação aos aminoácidos excitatórios a nicotina inibe a liberação do glutamato e libera acetilcolina no hipocampo (Araújo et al., 1988).
O uso de nicotina produz tolerância aguda e crônica no SNC (Benwell et al., 1994). Apesar de nem todas suas ações serem reforçadoras, a auto-administração de nicotina intravenosa foi diminuída por seu antagonista, o Chlorisondamine (Corrigall et al., 1992). Em dependentes de nicotina observa-se urgência ao fumar quando os níveis plasmáticos encontram-se baixos. Se o nível plasmático de nicotina é mantido artificialmente através da infusão endovenosa lenta há significativa redução no número de cigarros fumados e no número de tragadas (Russel, 1987). De fato, o tratamento da dependência à nicotina consiste basicamente em reduzir os sintomas desagradáveis da abstinência através da liberação lenta por adesivos transdérmicos ou gomas de mascar contendo nicotina.
Opióides
Desde tempos bíblicos extraídos da seiva da papoula (Papaver somniferum), os opióides (como a morfina, heroína, metadona, codeína) são atualmente os mais potentes analgésicos conhecidos, de fundamental importância clínica no tratamento da dor. São também, por suas propriedades sobre o humor, abusados fora da legalidade e constituem um importante problema de saúde pública. A heroína, opióide mais utilizado de forma abusiva; quando administrada liga-se aos receptores opióides m, d e k produzindo euforia muito intensa, porém breve, seguida de sensação profunda de tranqüilidade e desligamento, capaz de durar várias horas. Doses elevadas resultam em efeitos aversivos como náuseas, sudorese e ansiedade. Na superdosagem ocorre indução de coma, depressão respiratória e, não raro, óbito. A síntese de agonistas seletivos para os subtipos de receptores opióides permitiu separar alguns efeitos mediados pelos mesmos; os efeitos euforiantes e analgésicos, por exemplo, parecem estar associados à ativação dos receptores m e d-opióides, enquanto que a ativação do receptor k-opióide parece mediar os efeitos desagradáveis (Froelich & Li, 1994).
Tolerância aos efeitos analgésicos e euforiantes ocorre rapidamente após a administração repetida de opióides, levando à necessidade de doses maiores para obter o mesmo efeito. Como não ocorre tolerância aos efeitos sobre o controle da respiração, aumenta o risco da indução de coma e morte por parada respiratória em usuários crônicos. A suspensão abrupta do uso resulta em uma síndrome de abstinência severa, caracterizada por uma série de sintomas como: piloereção, dilatação das pupilas, sudorese profusa, irritabilidade, sensibilidade aumentada à dor (hiperalgesia), diarréia, vômitos, febre, disforia e intenso desejo pela droga. De fato, a síndrome de abstinência aos opióides é muito importante na manutenção do consumo, e frequentemente outras substâncias (como benzodiazepínicos ou álcool) são abusadas com intuito de reduzir estes sintomas.
A intoxicação aguda (superdosagem) por opióide pode ser revertida com a administração endovenosa de naloxona, um antagonista de ação rápida. A naloxona, no entanto, pode desencadear os sintomas da síndrome de abstinência. Normalmente no processo de desintoxicação é utilizada metadona ou outra medicação opióide de longa duração, com retirada gradual de modo a evitar a síndrome de abstinência. Durante a manutenção da metadona, os pacientes não irão passar pelos “altos e baixos” decorrentes do uso de heroína; o desejo pela heroína diminui e pode, com tempo, desaparecer (Kreek, 1992). Recentemente a buprenorfina, um agonista parcial do receptor m, vem sendo utilizada em alternativa à metadona. Além disso, uma formulação da naltrexona (antagonista) de liberação prolongada que permite 30 dias de medicação após uma única injeção pode ajudar pacientes recém desintoxicados que possuam alto risco de recaída (Goodman & Gilman, 2001).
MaconhaO sistema endocanabinóide de neurotransmissão foi uma das mais importantes descobertas da psicofarmacologia no final do século XX. Este sistema é composto por dois subtipos de receptores, CB1 e CB2, ambos acoplados à proteína G inibitória, sendo o primeiro predominante no cérebro e responsável pela maioria dos efeitos comportamentais observados após a administração do THC. O receptor CB2, por sua vez, encontra-se predominantemente nas células do sistema imune, e pode ser responsável pelos efeitos imunossupressores dos canabinóides (Piomelli, 2003).
Figura 3: Mecanismo de síntese dos endocanabinóides. Na região CA1 do hipocampo a despolarização da membrana (1) abre canais de Ca2+ ativados por voltagem em neurônios piramidais, promovendo (2) o aumento da concentração de Ca2+ intracelular. O Ca2+ pode (3) estimular a síntese de 2-araquidonilglicerol (2-AG) através da diacilglicerol lipase (DGL) ou a síntese de anandamida através da via da fosfolipase D (não demonstrada). Os novos endocanabinóides formados podem atravessar a sinapse para interagir com (4) receptores CB1 em terminais axônicos de neurônios GABA ou (5) receptores CB3 em fibras glutamatérgicas (Adaptado de Piomelli, 2003). Diversas preparações de Cannabis sativa e Cannabis indica são conhecidas, e variam de acordo com a concentração do delta-9-tetrahidrocanabinol, principal agente farmacológico ativo. O haxixe extraído da resina da planta, por exemplo, possui concentrações que variam de 8 a 12 % de D-9-THC. Na maconha, proveniente das folhas secas, esta concentração fica em torno de 2 a 4,5 %. Ao ser inalado o D-9-THC cruza rapidamente a barreira hematoencefálica e atinge os receptores CB1. O início da ação é rápido, permitindo ao usuário modular a dose desejada. Em doses habituais de intoxicação, a maconha produz sensação de bem estar, relaxamento, sociabilidade, perda da noção de tempo, lentificação dos processos de pensamento, prejuízo da memória de curto prazo e momentos especiais de introspecção. Em doses altas pode induzir pânico, delirium tóxico e psicose (Rang & Dale, 1994).
Desde os anos 1970 todas as tentativas de produzir uma autoadministração robusta de D-9-THC em animais de laboratório fracassaram. A autoadministração, no entanto, ocorre com agonistas sintéticos do receptor canabinóide, como o WIN 55,212-2, CP 55,940 e HU-210 (Navarro et al., 2001). O comportamento de autoadministração é bloqueado pelo antagonista canabinóide SR 141716-A e também pela naloxona, sugerindo uma interação entre os sistemas opióide e canabinóide (Tanda et al., 2000).
Há controvérsia sobre o potencial do consumo crônico de THC em causar dependência. Os processos de tolerância, no entanto, são bem documentados em humanos e aparecem rapidamente após as primeiras doses. Sintomas de abstinência não são tipicamente observados na clínica, mas podem ser induzidos pela administração do antagonista CB1. O fato do THC se acumular nos tecidos gordurosos, propiciando uma reserva que é liberada aos poucos para a corrente sangüínea, pode explicar a ausência de uma síndrome de abstinência marcante. O consumo prolongado pode resultar em um estado conhecido com síndrome amotivacional caracterizada pela falta de iniciativa, ambição e deterioramento das atividades sociais como trabalho, estudo e relações interpessoais, e é freqüentemente observado em adolescentes (Stahl, 2002).
InalantesUma grande variedade de substâncias químicas com diversas características faz parte desse grupo de drogas que são administradas por via inalatória (“cheiradas”). Os solventes orgânicos como tetracloreto de carbono, tolueno, gasolina, fluorcarbonos e aerosóis são os principais representantes desse grupo de substâncias que apresentam como característica comum uma elevada lipossolubilidade que permite uma fácil passagem pela barreira hematoencefálica produzindo alterações de consciência similares aos estágios I e II da anestesia. O mecanismo de ação dessas substâncias não é bem compreendido, porém parece estar relacionado com alterações na matriz lipídica de membranas neurogliais no sistema nervoso, bem como modificações no “turnover” e síntese de neurotransmissores.
Os efeitos do uso de inalantes começam poucos minutos após a administração e duram em torno de 15-45 min. Muitos usuários mencionam como efeitos: uma desinibição com uma sensação de flutuação, mistura de percepções ou ilusões, nuvens de pensamentos, sonolência e amnésia após inalação intensa. Os sinais de intoxicação aguda incluem uma enorme variedade de sintomas fisiológicos como irritação ocular, sensibilidade à luz, visão dupla, escuta de sons, irritação de membranas mucosas do nariz e da boca e tosse. Também pode ocorrer náusea, êmese, diarréia e arritmias cardíacas (Schuckit, 1995).
Drogas dissociativas – Fenciclidina (PCP)
A fenciclidina (PCP) foi desenvolvida na década de 1950 como um anestésico cirúrgico intravenoso, sendo depois classificada como anestésico dissociativo. Seus efeitos sedativos e anestésicos são similares a estados de transe e usuários dessa droga relatam experiências de saída do corpo e separação do meio ambiente. A PCP já foi utilizada na prática veterinária, porém seu uso em humanos nunca foi aprovado em virtude de problemas colaterais graves como delírios e agitação extrema vivenciado por pacientes logo após o término dos efeitos anestésicos.
Quando fumada ou inalada, a PCP atravessa rapidamente a barreira hematoencefálica e altera a função de canais NMDA (principal alvo no SNC) e altera a neurotransmissão dopaminérgica sendo este efeito responsável pelos efeitos de euforia. Em doses baixas (5 mg ou menos), os efeitos físicos incluem respiração acelerada, aumento da pressão arterial e da temperatura corporal. Doses acima de 10 mg afetam de maneira grave a pressão arterial, freqüência cardíaca e a função respiratória, sendo freqüentemente acompanhadas por náuseas, visão borrada, tonturas e diminuição da percepção dolorosa. Contrações musculares podem causar movimentos descoordenados e posturas bizarras, sendo que em níveis severos podem progredir para fraturas ósseas e danos renais em conseqüência da degradação do tecido muscular. Doses muito elevadas de PCP podem causar convulsões, coma, hipertemia e morte.
Os usuários dessa droga relatam após uma única administração: destacamento da realidade incluindo distorções espaciais e temporais. A partir da segunda administração já podem ser observados efeitos mais graves como alucinações, pânico e medo, sendo que em usuários crônicos pode ocorrer comportamento desorientado, violento e suicida. (NIDA, 2001).
Alucinógenos
Os alucinógenos são drogas que produzem intoxicação associadas a mudanças nas experiências sensoriais, que incluem alucinações visuais e auditivas, consciência ampliada de estímulos externos, bem como dos pensamentos e estímulos internos. Pode ocorrer também labilidade emocional, lentificação subjetiva do tempo, sensação de que as cores são ouvidas e os sons vistos (sinestesia), intensificação da percepção do som, despersonalização e desrealização. É importante salientar que todos estes efeitos podem ser experimentados sob completo estado de vigília e alerta. Outras mudanças que podem ocorrer incluem ansiedade, náusea, pânico, taquicardia, aumento da pressão sangüínea e da temperatura corporal (Stahl, 2002).
Os alucinógenos fazem interações bastante complexas com os sistemas de neurotransmissão, porém, o efeito alucinógeno parece estar relacionado à atividade agonista no receptor 5-HT2A para a serotonina visto que esses compostos, sejam derivados de plantas (mescalina, psilocibina e ibogaína) ou sintéticos (LSD), apresentam grande similaridade química com esse neurotransmissor (NIDA, 2001). A indução de tolerância pode ocorrer após a administração de uma única dose, possivelmente por mecanismo de invaginação do receptor 5-HT2A. O potencial destas drogas em gerar dependência, no entanto, é fraco ou mesmo ausente. Um fenômeno interessante e único aos alucinógenos é a ocorrência de flashbacks, ou seja, a recorrência dos sintomas de intoxicação mesmo dias ou meses após o término da ação da droga. O mecanismo dos flashbacks ainda não é bem conhecido, mas pode envolver sensibilização (tolerância reversa) extremamente duradoura com mecanismos semelhantes à formação de memórias (Stahl, 2002).
“Club Drugs”Club Drugs são um grupo de drogas sintéticas que vêm sendo usadas a partir de 1980 em atividades recreativas, principalmente festas em “boates” e as conhecidas como “raves”. Dentre as diversas substâncias químicas que se enquadram nesse grupo, é interessante mencionar as quatro mais conhecidas e utilizadas: MDMA (êxtase), flunitrazepam (Rohypnol), ketamina e γ-hidroxibutirato (GHB).
O êxtase apresenta estrutura química similar à metamfetamina e à mescalina, apresentando propriedades tanto estimulantes como alucinógenas. O MDMA aumenta a liberação de serotonina, dopamina e noradrenalina das terminações nervosas pré-sinápticas e dificulta o metabolismo desses neurotransmissores por inibição da MAO. O resultado é um acúmulo de neurotransmissores na fenda sináptica, sendo o excesso de dopamina e serotonina responsáveis pelas propriedades alucinógenas. Os principais efeitos do uso dessa droga incluem euforia, introspecção, alteração da percepção visual, aumento da libido, aumento da energia, percepção distorcida do tempo e diminuição da fome e sede. Desidratações e hipertemia são freqüentes em usuários de êxtase em virtude de horas de dança ininterruptas, também pode ocorrer taquicardia, midríase, tremores, palpitações e hipertensão resultantes da estimulação simpática. Dentre os principais efeitos neurológicos destacam-se confusão, delírio, paranóia, dor de cabeça, anorexia, depressão, insônia e irritabilidade os quais podem permanecer mesmo semanas após o uso. Estudos de tomografia de emissão de pósitrons (PET) em usuários dessa droga revelam redução significativa no número de transportadores para serotonina e estudos com animais revelam alterações irreversíveis em axônios serotonérgicos (morte neuronal) que pode explicar os efeitos semelhantes a síndromes do pânico e esquizofrenia, mesmo após o término do uso (Smith et al, 2002).
O flunitrazepam (Rohypnol) é um potente benzodiazepínico (ver acima) com uso legalizado para anestesia pré-operatória (sedação) e tratamento de insônia em 60 países na Europa e América Latina. Em baixas doses o rohypnol atua como ansiolítico, relaxante muscular e hipnótico-sedativo geral, porém em altas doses a droga pode causar perda do controle muscular e da consciência. Os principais efeitos adversos do uso dessa droga incluem hipotensão, tontura, confusão, distúrbios visuais, retenção urinária e, em alguns casos, comportamentos agressivos. Pode ocorrer dependência, sendo que os principais sintomas de abstinência são dores de cabeça, tensão, ansiedade excessiva, dor muscular, fotossensibilidade e tremores (Smith et al, 2002).
A ketamina, usada comumente na prática veterinária, é um anestésico dissociativo com mecanismo de ação semelhante à fenciclidina (ver anteriormente) atuando em canais iônicos NMDA. Também interage com alguns sistemas de neurotransmissores, incluindo receptores celulares muscarínicos, nicotínicos e opióides, podendo também inibir a recaptação de noradrenalina, dopamina e serotonina. Os efeitos ocorrem 30-45 min após a ingestão ou inalação da droga e incluem analgesia podendo promover amnésia em doses mais altas. Alguns usuários relatam experiências de saída ou flutuação do corpo, alucinações visuais e incoordenação motora também são comuns. Toxicidade cardiovascular pode se desenvolver em decorrência da ativação simpática ocorrendo hipertensão, taquicardia e palpitações. Usuários apresentam como outros efeitos psicológicos: negativismo, hostilidade e delírio. Por se tratar de uma droga inodora, insípida e incolor pode ser misturada a bebidas para facilitar o abuso sexual, uma vez que promove na vítima alucinações, amnésia anterógrada, perda de consciência e dificuldade de discernir acontecimentos reais de fictícios (Smith et al, 2002).
O GHB ou ácido γ-aminobutírico é um derivado lípidico do GABA ocorrendo naturalmente e estando envolvido na mediação do ciclo do sono, temperatura corporal, metabolismo cerebral da glicose e memória (Li et al, 1998). Sua administração de fontes exógenas data de 1990 sendo introduzido nos EUA como suplemento alimentar. Após 15-30 min da administração oral observam-se os efeitos depressores sendo dose-dependentes e variando de amnésia, hipotonia e euforia até dificuldades respiratórias, tremores, coma e morte (doses acima de 50 mg/Kg). Outros efeitos que podem ser observados são bradicardia e hipotensão, êmese e hipertemia. Também podem ser utilizados em situações de abuso sexual de maneira semelhante à ketamina, bem como por apresentarem propriedades de estimulação sexual deixando a vitima susceptível e incapaz de reagir frente a situação de abuso (Smith et al, 2002).
Uso múltiplo ou combinado de drogas
Até agora só foi comentado o efeito de administração isolada de drogas, porém o que se observa, em muitos dos casos, é um uso combinado de muitas drogas. Não é raro, por exemplo, o uso em conjunto de estimulantes e depressores com o objetivo de diminuir os efeitos indesejáveis como depressão ou excitação excessiva. Apesar da complexidade de efeitos de uso múltiplo ou combinado de drogas o que torna difícil de prever os efeitos em conjunto, algumas considerações gerais podem ser feitas.
O uso combinado de duas ou mais drogas depressoras como álcool e benzodiazepínicos, por exemplo, pode ter algumas conseqüências graves como depressão respiratória, coma e morte quando usados simultaneamente, sendo que também pode ocorrer tolerância cruzada quando uma droga é administrada anteriormente a outra, devido a mecanismos de ação semelhantes, principalmente nos receptores GABA (Schuckit, 1995).
Também não é raro o uso combinado de estimulantes e depressores, principalmente em indivíduos alcoolistas, onde se observa a administração de um estimulante para atenuar os efeitos indesejáveis como sonolência, tremores e ansiedade, entretanto, é difícil de prever complicações decorrentes desse uso de drogas com mecanismos de ação bastante diversificados no SNC.
O etanol também é usado com outras drogas como opióides e canabinóides, por exemplo, sendo que se verifica desenvolvimento de tolerância cruzada entre álcool e maconha. Tanto o sistema opióide como o canabinóide estão envolvidos nas propriedades reforçadoras do etanol, verificando-se uma interação complexa entre a administração combinada dessas drogas com o álcool (Manzares et al, 2005). Também é interessante ressaltar que os efeitos agudos também são potencializados quando ocorre o uso simultâneo de álcool e maconha, evidenciando maior prejuízo em atividades motoras e atenção (Schuckit, 1995).
Em usuários de cocaína, o uso de álcool pode intensificar os efeitos dessa, aumentando a sua metabolização ao composto cocaetileno que apresenta mesmo mecanismo de ação e efeitos similares, porém com meia vida cerca de três vezes maior, isso poderia explicar, pelo menos em parte porque a overdose em usuários de cocaína é bem mais freqüente quando os mesmo fazem ingestão simultânea de álcool (Farre et al, 1997).
Similaridades na ação clínica e na estrutura química de alucinógenos e estimulantes pode levar a uma potencialização dos efeitos dessas drogas quando comparado com o uso isolado (Schuckit, 1995).
Além desses, diversos outros tipos de associações entre drogas são verificadas, sendo que podem ter complicações desde moderadas até mesmo gravíssimas, dependendo de quais drogas e em que quantidade são administradas.
Para terminar, é interessante comentar que o uso de drogas é comum entre os seres humanos e qualquer um pode estar susceptível a se tornar dependente de alguma destas por isso é interessante compreender o mecanismo de ação das mesmas e seus efeitos, principalmente no sistema nervoso central, antes de começar a usá-las e abusá-las. Não é intenção entrar em uma discussão política e filosófica, porém é interessante perceber que, mesmo drogas lícitas e plenamente aceitas pela sociedade (café, álcool e nicotina, por exemplo) podem promover complicações gravíssimas em usuários agudos e, principalmente crônicos.
SUGESTÃO DE FILMES
RÉQUIEM PARA UM SONHO (“Requiem for a Dream”): O diretor Darren Aronofsky conta a perturbada e frenética história de personagens que se envolvem com seus sonhos e vícios. Com Ellen Burstyn, Jared Leto e Jennifer Connelly. Recebeu uma indicação ao Oscar.
TRAINSPOTTING – SEM LIMITES (“Traispotting”): Num subúrbio de Edimburgo, quatro jovens sem perspectivas mergulham no submundo para manter seu vício pela heroína. Com direção de Danny Boyle (Cova Rasa) e Ewan McGregor e Robert Carlyle no elenco. Recebeu uma indicação ao Oscar.
DESPEDIDA EM LAS VEGAS (“Leaving Las Vegas”): Um roteirista alcóolatra perde o emprego e decide partir rumo a Las Vegas, onde vive um tumultuado caso de amor com uma prostituta acuada por seu cafetão. Dirigido por Mike Figgis (Por uma Noite Apenas) e com Nicolas Cage, Elisabeth Shue e Steven Weber no elenco. Vencedor do Oscar de Melhor Ator.
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