quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Parece, mas não é

Revista Metropole

Parece, mas não é

Diagnóstico: psiquiatras e psicólogos falam de tristeza, um sentimento comum, às vezes confundido com depressão, tema de livro escrito por dois especialistas

Por Janete Trevisani

janete@rac.com.br

Équando silenciamos que melhor conversamos com nossos botões. Como bem sintetiza a escritora gaúcha Martha Medeiros em um de seus textos, “dessa conversa sai luz, lições, sinais, e a tristeza acaba saindo também, dando espaço para uma alegria nova e revitalizada. Triste é não sentir nada”. Mas, atualmente, parece que é feio sentir tristeza. Pior que isso, um mero aborrecimento ganha contornos de depressão severa.
Para os professores americanos Allan V. Horwitz e Jerome C. Wakefield, a psiquiatria contemporânea confunde tristeza normal com transtorno mental depressivo. No livro A tristeza perdida - como a psiquiatria transformou a depressão em moda, os autores mostram que a tristeza, comum a todo ser humano, vem sendo tratada como doença.
O objetivo é mostrar como os profissionais de saúde mental podem evitar transformar em doença reações emocionais normais aos estressores da vida, ao identificar com precisão aqueles que sofrem de transtornos depressivos genuínos. Para os autores, a psiquiatria fez avanços surpreendentes nas últimas décadas e hoje há muitas técnicas eficazes à disposição para descobrir as causas dos transtornos depressivos.
Nesta matéria, psicólogos e psiquiatras de Campinas são unânimes: a sociedade moderna é intolerante aos sentimentos tristes, como se fosse possível ser feliz o tempo todo.

Sem tempo para sofrer
“As pessoas vivenciam seus lutos e perdas como se fossem doenças, como se as dores e sofrimentos não fizessem parte da condição humana. Não querem, não se permitem entristecer-se, angustiar-se. Preferem se identificar ou procuram quem as identifiquem como doentes, tomando remédios que amenizem ou retirem completamente qualquer tipo de incômodo, como se todo incômodo fosse algo negativo, abandonando seus próprios recursos internos em prol de soluções imediatas e vindas do exterior. Por outro lado, a correria do mundo globalizado busca a perfeição, não prioriza a qualidade de vida e das relações, o que pode ocasionar um grande isolamento e senso de competição. Tudo isso gera um desgaste muito grande. Não há tempo para sofrer nossas perdas, reconhecer nossos medos, chorar nossas tristezas. Ignoramos tanto o que nosso corpo e mente demonstram que nos tornamos mais vulneráveis ao adoecimento emocional e físico.” - Shirley Miguel, psicóloga

Situações estressantes
“A tristeza ocorre nas mais variadas ocasiões e em diferentes graus de intensidade. Ela nos acompanha diuturnamente. Ficamos tristes ao nos deparar com uma notícia ruim na televisão, a violência urbana, o trânsito, as injustiças sociais, a corrupção das autoridades... Mas ninguém pensa em utilizar psicofármacos nessas ocasiões. Porém, há outras situações mais estressantes, como a morte de um parente, a perda de um amigo, a separação conjugal ou o desemprego. Aqui, preferimos falar em luto, porque a tristeza é mais intensa, proporcional à perda vivenciada. E o luto pode ser normal, quando esta proporção é mantida em intensidade e duração, ou patológico, quando esta proporção não se mantém. Nestes casos, a intervenção indicada não é a medicamentosa, mas sim a psicoterápica. A medicação é indicada apenas nos quadros depressivos de intensidade moderada ou grave, que se caracterizam não apenas pela tristeza, como também por outros sintomas associados: perda da energia e perda de interesse e do prazer pelas atividades habituais. Estes três sintomas formam a chamada tríade nuclear, ou o núcleo duro da depressão. Outros sintomas acessórios são frequentes: pessimismo, queda da autoestima, ideias de autoacusação ou culpa, diminuição da concentração, retardo ou agitação psicomotora, ideação suicida, alterações do sono e do apetite. A depressão é uma doença complexa, sistêmica e, frequentemente, de curso crônico. Se, por um lado, o exagero da medicação desnecessária é ruim - e isto é um fato no mundo todo -, por outro, deixar de medicar pacientes verdadeiramente depressivos é um mal ainda maior. A depressão não tratada está ligada a diversas patologias, como hipertensão arterial, diabetes, cardiopatias, dismetabolias, alterações endócrinas, entre outras.” - Evandro Gomes de Matos, doutor em psiquiatria

Situações estressantes
“A tristeza ocorre nas mais variadas ocasiões e em diferentes graus de intensidade. Ela nos acompanha diuturnamente. Ficamos tristes ao nos deparar com uma notícia ruim na televisão, a violência urbana, o trânsito, as injustiças sociais, a corrupção das autoridades... Mas ninguém pensa em utilizar psicofármacos nessas ocasiões. Porém, há outras situações mais estressantes, como a morte de um parente, a perda de um amigo, a separação conjugal ou o desemprego. Aqui, preferimos falar em luto, porque a tristeza é mais intensa, proporcional à perda vivenciada. E o luto pode ser normal, quando esta proporção é mantida em intensidade e duração, ou patológico, quando esta proporção não se mantém. Nestes casos, a intervenção indicada não é a medicamentosa, mas sim a psicoterápica. A medicação é indicada apenas nos quadros depressivos de intensidade moderada ou grave, que se caracterizam não apenas pela tristeza, como também por outros sintomas associados: perda da energia e perda de interesse e do prazer pelas atividades habituais. Estes três sintomas formam a chamada tríade nuclear, ou o núcleo duro da depressão. Outros sintomas acessórios são frequentes: pessimismo, queda da autoestima, ideias de autoacusação ou culpa, diminuição da concentração, retardo ou agitação psicomotora, ideação suicida, alterações do sono e do apetite. A depressão é uma doença complexa, sistêmica e, frequentemente, de curso crônico. Se, por um lado, o exagero da medicação desnecessária é ruim - e isto é um fato no mundo todo -, por outro, deixar de medicar pacientes verdadeiramente depressivos é um mal ainda maior. A depressão não tratada está ligada a diversas patologias, como hipertensão arterial, diabetes, cardiopatias, dismetabolias, alterações endócrinas, entre outras.” - Evandro Gomes de Matos, doutor em psiquiatria

Em parceria
“As manifestações de tristeza ocorrem ao longo da vida, mas devem ser analisadas à luz do contexto vivencial em que emergem. O psicólogo vai decidir se vale ou não a pena encaminhar para que o psiquiatra medique. Não tem sentido pensar que toda e qualquer tristeza será medicada, tampouco deixar de obter um alívio, a partir da medicação, por mera resistência. Muitos clínicos, psicólogos e psiquiatras sabem que certos medicamentos não resolvem os problemas vivenciais. Então, o remédio não tem o sentido de curar, mas, sim, de proporcionar alívio, o que é legítimo, porque não há necessidade de manter o sofrimento em um grau máximo para que a psicoterapia surja efeito. Assim, psicólogos podem trabalhar integradamente com psiquiatras, em muitos casos. Cada caso deve ser avaliado de forma individual por um profissional, levando em conta todo o contexto vivencial em que emergiu a tristeza.” - Cristiane Simões, psicóloga.

Cuidados necessários
“Estar triste é um estado afetivo momentâneo, ser depressivo é uma doença afetiva persistente. A tristeza é, então, um sentimento. A depressão é uma doença. A tristeza geralmente tem uma causa definida, a depressão não tem causa, embora as pessoas tentem descobrir algum motivo circunstancial. Existem muitos casos de tristeza que não são depressão, como quando há uma perda, uma decepção, uma frustração. Existem muitas depressões que não têm tristeza, mas, sim, outros sintomas, tais como apatia, desinteresse, desânimo, queixas físicas, pânico, ansiedade... Se nem tudo é depressão, então por que todos que procuram ajuda médica para o estado de sofrimento emocional acabam tomando antidepressivos? Porque o antidepressivo é a solução mais econômica e fácil. Depois de quinze ou vinte dias, a pessoa que toma antidepressivos começa a superar a angústia e, de certa forma, a tristeza. O ideal seria fazer um bom diagnóstico e instituir um tratamento adequado; em alguns casos terapia, outros medicação, ou os dois juntos. Em muitas circunstâncias, a tristeza é inevitável e não requer tratamento; a pessoa tem mesmo que passar por ela, superá-la, aproveitar para crescer e, conscientemente, valorizar tantos outros momentos felizes.” - Geraldo Ballone, psiquiatra.

Padrão de felicidade - “A sociedade estabelece um padrão de felicidade contínua, fazendo com que as pessoas esperem ser felizes o tempo todo ou que estejam sempre de bem com a vida, tornando-se intolerantes com sentimentos tristes. É como se a tristeza perdesse o direito de existir. E, por consequência, as pessoas acabam se sentindo culpadas e envergonhadas quando estão tristes ou têm problemas. Proibir uma tristeza provocada por uma separação amorosa, pela perda de um ente querido, por uma decepção pessoal, é eliminar um sentimento normal que deve ser vivido para que possa ser superado. Na verdade, muitas pessoas não sofrem de problemas psiquiátricos, mas apenas necessitam de apoio emocional por causa de uma intensa reação a alguma perda ou estresse em sua vida. O medicamento que atua diretamente no cérebro tem servido como uma solução mágica e toda solução rápida deveria ser questionada. O que se observa é que tais medicamentos têm servido mais como corrimão ou muleta e, por isso, não ensinam a pessoa a andar com as próprias pernas. Em outras palavras, não produz repertório que torne a pessoa independente. Ansiolíticos, antidepressivos e antipsicóticos não instalam comportamentos, não ensinam como a pessoa deve se comportar diante das adversidades. Por outro lado, é importante esclarecer que existem pessoas que precisam do tratamento medicamentoso e que, por isso, não podem jamais ficar sem tais fármacos e sem o acompanhamento médico especializado. Inclusive os medicamentos podem acelerar o processo psicoterapêutico.” - Reginaldo do Carmo Aguiar, psicólogo clínico comportamental.

Altos e baixos
“É normal sentir-se eventualmente triste, sem que esse estado configure uma depressão, como acontece após uma situação estressante real na vida. Somos seres cíclicos, com altos e baixos. Nossa sociedade tem como modelo ideal a pessoa que está bem em vários aspectos da vida, sempre, e há uma dificuldade para se lidar com os limites. A não tolerância a essas dificuldades impostas pela vida aumenta muito a quantidade de diagnósticos de quadros depressivos. Mas esse aumento não torna o diagnóstico um simples modismo e, sim, aponta para uma doença que é um reflexo do nosso tempo e da dificuldade em corresponder às demandas, sejam elas pessoais, da família, dos amigos ou da sociedade.” - Renata Yori Yonamine, psiquiatra.

Mecanismo emocional
“A tristeza não é uma inimiga. Atacá-la é confundir a causa com o efeito. Nos cursos de gerenciamento emocional, os nossos alunos aprendem como funciona o mecanismo emocional, como é possível alterar a forma de pensar para impedir que a tristeza ganhe proporções que levem ao descontrole. A tristeza é produzida pelo pensar. De fato, para sentir tristeza é preciso pensar de forma triste. Se não aceitar como válida uma interpretação triste de algum fato, o sujeito não conseguirá produzir a emoção de tristeza. Ao aprender formas de gerenciar as emoções, as pessoas deixam de usar antidepressivos e passam a modular a intensidade de suas emoções, de modo a mantê-las sempre dentro de limites benéficos, saudáveis e controlados. Quando alguém de fato ultrapassa a barreira da tristeza e mergulha na depressão patológica, o uso dos medicamentos é uma ajuda maravilhosa. Os antidepressivos podem neutralizar as condições cerebrais associadas à depressão, possibilitando ao paciente trabalhar para desenvolver um novo pensar, um pensar que, ao invés de produzir tristeza, crie emoções e sentimentos benéficos, revigorantes e motivadores. Aprender a gerenciar as emoções, superando a dependência dos medicamentos, devolve a sensação de estar no controle de si mesmo.” - Andrês De Nuccio, psicólogo e diretor do Instituto Ísvara.

Copyright © 2010 Reginaldo do Carmo Aguiar. Todos os direitos reservados.


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Reginaldo do Carmo Aguiar é psicólogo clínico comportamental, analista do comportamento e estudioso das Neurociências.

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