terça-feira, 27 de novembro de 2012

Entrevista sobre autoestima, vaidade e desapego

Quem me entrevistou foi a jornalista Louise Vernier, matéria para a revista “Uma”, Segundo a repórter, o intuito é dar dicas às leitoras de atitudes que elas podem tomar para sair da rotina (como mudar o visual ou se desapegar de algo), mudar de vida e serem mais felizes.


Mudança de visual
1) Mudar o visual radicalmente ou fazer uma intervenção cirúrgica com finalidade estética pode ser benéfico para o aumento da autoestima da leitora?                  
O mundo de hoje valoriza em demasia a aparência física. A crença de que a beleza é fundamental é tão disseminada e arraigada que se tornou uma obsessão, e por isso é uma fonte de frustração sem igual. A luta das mulheres para atingir a figura ideal imposta pela cultura – e que a maioria delas aceita – se torna para muitas a coisa mais importante da vida. Em consequência disso, a cirurgia estética tornou-se uma das especialidades médicas mais crescentes e lucrativas da atualidade. Para se ter uma ideia, segundo pesquisa do Ibope, encomendada pela coordenação do XI Simpósio Internacional de Cirurgia Plástica, no ano de 2009 o Brasil ficou em segundo lugar em número de cirurgias plásticas no mundo, só perdendo para os Estados Unidos da América. O grande problema dessa cultura da beleza é idealizar ou valorizar em demasia o lado estético, o que abre espaço para sempre ficar aquém do esperado e sempre ficar frustrado(a). Além disso, a nossa cultura não valoriza a maioria das belezas, mas apenas aquelas passadas pelos crivos de referenciais europeus ou hollywoodianos. E tem mais, valorizar em demasia a beleza abre espaço para que características fundamentais para o convívio social e afetivo, como o caráter, não sejam priorizadas.
Estima vem de estimativa, ou seja, é como uma escala de amor com a qual me avalio. Autoestima é sentir-se amado, sentir-se capaz, sentir-se valorizado e aceito. Esse sentimento depende de um conjunto de valores e critérios e da satisfação dos mesmos. Além disso, autoestima é diferente do sentimento de vaidade. Autoestima é um juízo que eu faço de mim mesmo, é uma nota que eu dou para mim mesmo independente de um código de valores a que eu correspondo ou não. Uma pessoa com boa autoestima, por exemplo, se diverte, aproveita a vida com equilíbrio sem se preocupar tanto com os outros. Em oposição, a vaidade envolve a imagem pública, o que aparece para fora. É sentir-se satisfeito porque tem a aprovação de outras pessoas. Depende da plateia, dos outros. Neste sentido, autoestima envolve a relação “eu - comigo mesmo”, já a vaidade, a relação “eu - outras pessoas”. Dizer que uma pessoa fez uma cirurgia plástica e melhorou autoestima é um equívoco. Melhorou na verdade, a vaidade, uma vez que o indivíduo ficou melhor perante um padrão dos outros. A cirurgia plástica também melhora a autoconfiança do cirurgião quando a cirurgia é bem sucedida.

2) De que forma o aumento da autoestima reflete em outras áreas da vida dessa pessoa? Por quê?
Autoestima é uma profunda e poderosa necessidade humana, essencial para uma adaptação saudável em sociedade. Segue abaixo alguns dos benefícios de quem tem uma autoestima saudável:
a) Saúde – Quem se ama cuida mais do próprio corpo, por isso, não exagera no comer e beber, cultiva uma vida sexual equilibrada e responsável, cuida bem de sua saúde, pratica atividades físicas e cultiva o contato com a natureza. Além disso, dá ao corpo e à mente o repouso necessário.
b) Relacionamento e repertório social – A forma como nos relacionamos afetiva, social e profissionalmente também revela a nossa autoestima. A forma como enfrentamos circunstâncias constrangedoras, reagimos a críticas, ao esquecimento ou à rejeição oferece indícios a respeito de nossa autoestima. Quem tem boa autoestimase ama é mais feliz e vai ao encontro dos outros com facilidade, está sempre pronto a receber e dar amor, convive bem consigo mesmo e com os outros, é autêntico e sincero, conversa mais com pessoas experientes para aprender, perdoa a si mesmo e aos outros, tem consciência que sentimentos negativos prejudicam sua vida física, psíquica e espiritual. Geralmente a pessoa com boa autoestima também tem mais facilidade para fazer boas escolhas no campo sentimental.
c) Vida ao presente – A pessoa com boa autoestima vive o presente, liberta-se do passado e não antecipa o futuro.
d) Aceitação e valorização – Uma pessoa com baixa autoestima sente-se eternamente culpada e fracassada. As emoções de vergonha e culpa estão relacionadas a situações e emoções em que se perde o valor perante aos outros, ou ainda, situações nas quais não se sente merecedora de aprovação dos outros e, por isso, tende a se sentir rejeitada. A culpa ou vergonha, em outras palavras, debilita. Já a pessoa com uma autoestima saudável percebe que o segredo da própria felicidade está em aceitar-se e a valorizar-se, distribuindo as responsabilidades e as culpas depois de uma boa análise da situação. Além disso, ela é capaz de reconhecer e atender suas necessidades físicas, emocionais, mentais e espirituais.
e) Autoconfiança – Uma pessoa com boa autoestima tem mais chances de desenvolver habilidades e repertórios e, assim, se torna confiante, determinada e segura, tem bom contato com a realidade, o que a favorece ter: a) uma boa aptidão para se relacionar; b) competência nos estudos e êxito no trabalho; c) talento para atividades artísticas, recreativas; d) habilidade ou repertório no desempenho dos papéis sociais como mãe, pai, marido, esposa, filho(a) etc.; e) assertividade, isto é, expressa abertamente, suas emoções e não se faz de vítima, sabe dizer “sim” e “não” na hora certa.
Apesar de ter potencial para desenvolver diversos repertórios, essa pessoa tem consciência que não é um super-herói e, por isso, sabe lidar com fracassos e seleciona as atividades que pode se desempenhar bem, tendo consciência de que não será boa em tudo.
f) Autoconhecimento e conhecimento sobre o Mundo – Quem se ama cuida bem de sua vida psíquica, procura aceitar sua realidade, conhece-se melhor e supera-se, procura ler bons livros e seleciona seus programas de rádio e TV... Além disso, não perde a oportunidade de participar de cursos de formação humana.
g) Resiliência – Situações de crise e fracasso com pessoas com baixa autoestima são propícias para o desencadeamento de ansiedades e depressões. Centrado no próprio sofrimento, o indivíduo irrita-se com as próprias dificuldades, repete incessantemente pensamentos depreciativos, concentra-se em si mesmo, esquecendo o universo ao redor e estabelecendo um círculo vicioso. Em oposição a isso, as pessoas com boa autoestima não se abatem tanto com eventuais fracassos ou julgamentos alheios, ou seja, mantêm mais facilmente a estabilidade emocional ao enfrentarem adversidades. O fato delas terem uma relação satisfatória com elas próprias aparece associado à relativa ausência de monólogos interiores autocentrados, que paralisam o desenvolvimento emocional. Neste sentido, quando é possível olhar para o mundo e realmente se interessar pelo que está fora, fica mais fácil suportar as próprias dificuldades. A autoestima estável é como um motor que cumpre sua função de maneira silenciosa: facilita o vínculo com o mundo externo e o faz de maneira menos assustadora. Dessa forma, quando a pessoa cai em sofrimento, consegue se erguer com mais tranquilidade e rapidez.
h) Baixa autoafirmaçãoPessoas com baixa autoestima sentem mais necessidade de se autoafirmarem. Entre as autoafirmações mais comuns, está a mentira. Diversas pesquisas espalhadas pelo mundo revelam uma correlação muito forte entre mentira e baixa autoestima. Provavelmente essas pessoas mentem muito porque sentem medo de mostrarem quem são e de se sentirem inferiores aos padrões estabelecidos. Os indivíduos dotados de uma autoestima saudável estão longe de serem megalômanos, em oposição, são mais sensatos.

Desapegar
3) É possível aprender a se desvincular do passado, se desapegar e tomar atitudes radicais, como mudar de casa ou até mesmo de cidade ou país? Como?
É possível. No entanto, toda mudança radical no início produz sofrimento porque exige um processo de adaptação a nova realidade. Como disse o escritor inglês Arnold Bennett. “Qualquer mudança, mesmo uma mudança para melhor, é sempre acompanhada de inconvenientes e desconfortos.” Muitas pessoas deprimem quando mudam de cidade, porque não há vínculos afetivos (os amigos e familiares estão distantes) e se não tiverem trabalhando, estudando ou se ocupando dificultam ainda mais a adaptação e agrava o humor delas. Pessoas que saem do relacionamento amoroso, onde gostavam do parceiro saem muito machucadas e desacreditadas de investir em novos parceiros(as).
A mudança é necessária e toda mudança exige novos repertórios. Quando você sai do seu ambiente (habitat) perde estímulos antecedentes e suas consequências (perda de reforçadores). Neste sentido, perde repertório. Um(a) jovem que muda para uma cidade distante porque passou no vestibular, quando chega nela não tem amigos, ou seja, não tem pessoas (estímulos antecedentes discriminativos) para falar, por exemplo, aquelas bobagens que seus (suas) amigos(as) gostavam e assim perde as consequências, as risadas, a atenção, os elogios, o carinho de seus amigos(as). Portanto, suprime seu repertório. Inclusive é muito comum alguns deprimirem até criarem um grupo novo de amigos.
Comportamentalmente, o termo “mudança” envolve mudar de reforçadores, ou seja, passar dos reforçadores mais poderosos aos de menor valor reforçador. Todo aprendizado de repertório envolve comportar-se frente as situações simples e gradualmente até as mais complexas. Você aprende primeiro a pôr uma meia. De início, pode até ser difícil, se tiver um bom educador, ele pode dar modelos de como colocar a meia, ajudar a por a meia, pedir para por e depois elogiar o aprendiz pelo feito. Depois aprende a colocar o sapato e somente depois a amarrar o cadarço. Eu poderia chamar essa cadeia comportamental de repertório de colocar os sapatos adequadamente. Repertório social é a mesma coisa. Você aprende primeiramente a cumprimentar as pessoas, depois aprende a sorrir, ouvir,.. só depois aprende a manter a conversa de forma agradável.  Para quem não está acostumado a por os sapatos estranhará no início e dirá: “Nossa como está apertado, que estranho!” E vai até querer de início tirar para se aliviar. É o que acontece com aquelas pessoas que não sabem o que fazer numa situação social e por isso fogem e se sentem aliviados. Tudo uma questão de aprender repertório para não fugir e se adaptar a nova realidade.

4) De que maneira essa mudança pode ser positiva?
Muitos intelectuais falam ou falavam sobre a importância da mudança, entre eles:
a) “O mundo detesta mudanças e, no entanto, é a única coisa que traz progresso.” - Charles Kettering.
b) “Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos. - Eduardo Galeano.
c) “Tudo muda quando você muda. - Jim Rohn.
d) “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” - Fernando Pessoa.
“Existir, para um ser consciente, consiste em mudar, mudar para amadurecer, amadurecer para se criar indefinidamente.” - Henri Bergson - Filósofo francês.
e) “Você sabe tão bem quanto eu que uma das principais causas do tédio é a estreiteza de nosso destino. Todas as manhãs, nós despertamos iguais ao que éramos na véspera. Ser eternamente o mesmo é insuportável para os espiritos refinados, esses espiritos refinados pela reflexão. Sair do proprio eu é um dos sonhos mais inteligentes que um homem pode ter.” - (Antônio Abujamra - Provocações (TV Cultura) - 16 abril 2010).
Quando mudamos tudo ao nosso redor muda. No processo de terapia de casal, inicialmente, um tenta mudar o parceiro, até uma hora que se descobre que a mudança deve ocorrer primeiramente de si, somente mudando a si é que o outro muda, e não o contrário.

5) Por outro lado, para as menos ousadas, mudar a casa, mexendo apenas na decoração já é um passo para ter uma vida nova? Por quê?
O texto chamado “Mude” do Edson Marques pode explicar isso: “Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade. Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa. Mais tarde, mude de mesa. Quando sair, procure andar pelo outro lado da rua. Depois, mude de caminho, ande por outras ruas, calmamente, observando com atenção os lugares por onde você passa. Tome outros ônibus. Mude por uns tempos o estilo das roupas. Dê os seus sapatos velhos. Procure andar descalço alguns dias. Tire uma tarde inteira para passear livremente na praia, ou no parque, e ouvir o canto dos passarinhos. Veja o mundo de outras perspectivas. Abra e feche as gavetas e portas com a mão esquerda. Durma no outro lado da cama... Depois, procure dormir em outras camas. Assista a outros programas de tv, compre outros jornais...Leia outros livros, viva outros romances. Ame a novidade. Durma mais tarde. Durma mais cedo. Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua. Corrija a postura. Coma um pouco menos, escolha comidas diferentes, novos temperos, novas cores, novas delícias. Tente o novo todo dia. O novo lado, o novo método, o novo sabor, o novo jeito, o novo prazer, o novo amor, a nova vida. Tente. Busque novos amigos tente novos amores. Faça novas relações. Almoce em outros locais, vá a outros restaurantes, tome outro tipo de bebida compre pão em outra padaria. Almoce mais cedo, jante mais tarde ou vice-versa. Escolha outro mercado... Outra marca de sabonete, outro creme dental...Tome banho em novos horários. Use canetas de outras cores. Vá passear em outros lugares. Ame muito, cada vez mais, de modos diferentes. Troque de bolsa, de carteira, de malas, troque de carro, compre novos óculos, escreva outras poesias. Jogue os velhos relógios, despertadores. Abra conta em outro banco. Vá a outros cinemas, outros cabelereiros, outros teatros, visite novos museus. Mude. Lembre-se de que a vida é uma só. E pense seriamente em arrumar um outro emprego, uma nova ocupação, um trabalho mais light, mais prazeroso, mais digno, mais humano. Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as. Seja criativo. E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa, longa, se possível sem destino. Experimente coisas novas. Troque novamente. Mude, de novo. Experimente outra vez. Você certamente conhecerá coisas melhores e coisas piores do que as já conhecidas, mas não é isso o que importa. O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda! Repito por pura alegria de viver: A salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!!!”
Começar a mudar as coisas simples e pequenas é o pontapé inicial para mudar grandes coisas no futuro. As pessoas apenas amadurecem com as mudanças. Quem fica parado, fico empobrecido de repertório e não se adapta ao mundo e não muda o mundo para melhor.

Copyright © 2012 Reginaldo do Carmo Aguiar. Todos os direitos reservados.

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Reginaldo do Carmo Aguiar é psicólogo clínico comportamental, analista do comportamento e estudioso das Neurociências.



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