quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Sobre paixão e o amor, flutuações do amor

Entrevista concedida dia 15 de Julho a jornalista Francine Moreno que é repórter do jornal Diário da Região (O Diário da Região é o maior jornal da região Noroeste do Estado, circula em 96 municípios e tem tiragem diária de 23,5 mil exemplares, com 29 mil exemplares aos domingos.)
Matéria especial sobre as flutuações do amor (passado o frenesi da paixão o casal vive uma outra fase do amor, mais tranquila, em que os parceiros começam a retomar a individualidade) e neste caso é preciso esforço para não por em risco a relação.
A entrevista editada está na página: http://www.diarioweb.com.br/novoportal/Divirtase/Comportamento/24590,,Conheca+os+estagios+do+amor.aspx
Para o caderno Vida & Arte.
Entrevista na íntegra 

1) Passado o frenesi da paixão o casal vive uma outra fase do amor, mais tranquila, em que os parceiros começam a retomar a individualidade. Porque isso acontece?
Embora eu finja aceitar sem julgamento as formas de amar encontradas pelas pessoas, secreta ou nem tão secretamente eu as classifico como sendo de bronze, prata e ouro, na ordem de sua escassez e valor. Assim divido em três formas de amar: a) paixão (amor com êxtase, amor erótico) b) amor fílico (amor relacionado as aprendizagens do indivíduo) e c) amor agápico (amor ao próximo).
Por mais que muitos não queiram ouvir, segundo os psicólogos evolucionistas, o sentimento de paixão é a forma mais primitiva de amar e está relacionado a perpetuação da espécie. A paixão é um sentimento de dedicação absoluta em relação a alguém que surge e nos torna devotos, adoradores, ao ponto de prestarmos um culto àquela pessoa que nos apareceu. O amor erótico está ligado à atração física muito mais que ao espírito. É um tipo de amor que exige amor em troca. A descoberta deste amor geralmente ocorre na adolescência e consiste em uma estranha e doce euforia associada à mera presença de uma moça ou rapaz em particular, e incontáveis vezes, mais tarde, uma excitação ao se encontrarem próximas de uma mulher ou homem atraente. Ao mesmo tempo em que a relação é intensa, é também frágil. É este o amor que milhões de pessoas espalhadas por este universo pontilhado por estrelas sentem e vivem. É um amor de caráter estritamente sexual que podem ir da grosseria à delicadeza extrema, da mediocridade emocional à paixão intensa.
Alguns neurocientistas que pesquisam com o uso de aparelhos de ressonância magnética funcional descobriram recentemente que o sentimento de paixão dura no máximo três anos. A não ser se tiver privações (distanciamentos do parceiro amoroso) e esquemas de reforçamento intermitente (contatos com interrupções) mantendo a pessoa presa a paixão. No mais, em média, a paixão dura de um a dois anos. Neste sentido, a paixão tem data para terminar e inicia-se uma nova etapa: o que poderia ser chamado de um amor mais profundo. Isto é o normal, é o que acontece naturalmente nas relações humanas. O problema é que muitas pessoas não estão preparadas para desenvolver outras formas de amar e por isso quando a paixão (amor juvenil) termina pulam para outro barco para viverem uma nova fase de êxtase.

2) A mudança pode acontecer em tempos diferentes para cada um. E aquele que continua apaixonado não entende o que se passa ou se sente rejeitado. O que é preciso fazer nestes casos?
Quando as pessoas estão apaixonadas elas se entregam muito. Dão muitos beijos, ligam muitas vezes, declaram amor, fazem as mais diversas carícias... Todavia, quando um deles tem a paixão diminuída ou terminada começa a se doar menos na relação. Aquele que continua apaixonado sente-se rejeitado, carente, inconformado. Nestes casos é preciso ter um diálogo para descrever e explicar o que está acontecendo e investir no próprio relacionamento em formas mais maduras de amar.
Nesta conversa valeria a pena separar muito bem a paixão do amor ao apaixonado, apesar de ser para muitos deles incompreensível. A paixão é um estado ou sentimento puramente egoístico, fisiológico, e que tem data para terminar. Ainda bem. Se não deixaríamos sempre nosso trabalho e outros afazeres apenas para viver uma grande paixão. Todavia, acredito também que as pessoas precisam passar por esta fase de graça de vez em quando. Neste mesmo contexto, Romeu e Julieta é apenas uma história de paixão. Algumas pessoas mais críticas, vão ainda mais longe dizendo que se trata de uma história camuflada de sexo. Neste sentido, paixão é um eufemismo criado pela sociedade para lidar melhor com os desejos e comportamentos sexuais. Outros ainda acrescentam que se Romeu e Julieta se conhecessem mais e permanecessem por mais tempo juntos, não existiria mais história de amor, ou melhor, paixão, porque a vida rotineira eliminaria qualquer resquício de amor ainda mais porque se desconhece se eles tinham repertório afetivo prévio para desenvolver o amor agápico, o amor mais profundo.
De antemão, o amor maduro é uma mistura de sentimentos produzidos a partir de uma história de contingências de paixão e amor, com predominância de um repertório doce, nobre, amigo... cujo os indivíduos pensam a médio e longo prazo se comportando no presente, sendo sensíveis, tolerantes ao outro, com um poder equivalente e regado a muito afeto. Por fim, segundo Judith Viorst: “Paixão é quando você pensa que ele é sexy como o Brad Pitt, inteligente como o Albert Einstein, nobre com Martin L. King, engraçado como o Woody Allen e atlético como um campeão de Jiu-Jitsu. Amor é quando você descobre que ele é tão sexy como o Woody Allen, inteligente como o lutador de Jiu-Jitsu, engraçado como Martin L. King, atlético como Albert Einstein e nada parecido com o Brad Pitt - mas você fica com ele mesmo assim!” Portanto, amar profundamente exige não idealizar.

3) A não dedicação total e afastamento mostra que o outro vive um processo de sentimentos que estavam latentes?Até que ponto podemos dizer que é apenas um individualismo ou algo mais, como falta de desejo?
O indivíduo pode se distanciar de seu par por várias razões, entre elas:
a) Perdeu a admiração pelo ser amado.
b) A fase da paixão acabou ou diminuiu e a pessoa começou a dar prioridade a outras atividades incompatíveis a paixão. O que não quer dizer que o amor ao outro tenha acabado.
c) A fase da paixão terminou e não há repertório afetivo que mantenha o casal unido. Este repertório é a verdadeira cola que mantém as pessoas unidas. Inclusive ele é aprendido com os pais, familiares ou pessoas importantes durante a formação e desenvolvimento cognitivo e emocional.

4) Por outro lado, porque é importante que cada um tenha sua individualidade e olhe para os lados, para fora da relação apaixonada?
A paixão é uma fase de um relacionamento que tem data para terminar. E por incrível que pareça o indivíduo apaixonado ama a própria fantasia e não a outra pessoa. Neste sentido, estar apaixonado é idealizar o outro. Ou seja, a grosso modo, a paixão é um amor egoísta. Embora quem esteja apaixonado não queira e nem aceite saber.
Um relacionamento mais saudável deve prezar e respeitar as individualidades dos parceiros. Além disso, os parceiros precisam desenvolver repertórios para serem mais independentes emocionalmente. O amor ao próximo, o compromisso, o respeito, as boas amizades, a intimidade, o companheirismo são as melhores regras para iniciarmos a nos valorizar e dar importância as pessoas do nosso redor tendo como objetivos sermos mais afetivos e fortes. E isso leva de médio a longo prazo. Como disse o psicólogo Robert J. Sternberg: “A paixão é a primeira a surgir e a primeira a desaparecer. A intimidade necessita de mais tempo para se desenvolver, e o compromisso, mais ainda.”

5) Há uma forma de chegar ao equilíbrio?
As três formas de amar - paixão, amor fílico e amor agápico - em conjunto interagem e resultam em produtos os mais diversos e únicos. Dessa forma, o processo de vir a amar implica numa longa construção de repertórios de comportamentos de fazer por, fazer para e fazer com o outro; envolve amplo repertório de receber; supõe saber rir e saber chorar genuinamente; pede tolerância e paciência; sexo e beijos etc. Assim, não é de se estranhar que amar é uma tarefa árdua e que o amor pleno e ideal é aquele composto pela interação equilibrada dos três níveis de amor.

6) O esforço virá mais facilmente daquele que já passou o período de paixão. Ele terá condições de compreender e acolher a incompreensão do parceiro, sem se revoltar com o que poderá ser sentido como tentativa de controle e dominação?
Isso vai depender da história de vida e de seu histórico amoroso. O que se observa é que pessoas mais afetivas quando terminam a paixão não se separam porque tem repertório para entrar em contato com outras formas de amar com seu parceiro. Em oposição, indivíduos mais egoístas e imediatistas, em geral, não se mantém em uma relação sem paixão.

7) Neste cenário, muitos casais também não suportam as mudanças e terminam antes da hora?
Muitas pessoas não se livram das paixões porque gostam de fortes emoções ou porque não discriminam ou não experimentaram outras formas de amar. Se para o casal amar envolve só paixão, quando a paixão termina, termina o sentido que os faz estarem juntos. É o que acontece, por exemplo, comumente no mundo das celebridades.

8) Dê dicas para ser feliz e realizado nestes momentos no relacionamento?
É ingênuo supor que o amor está no interior do homem como se fosse algo natural que surgisse inexplicavelmente do nada. Amor é produto de uma construção de uma relação envolvendo os mais distintos sentimentos e comportamentos. A música do Titãs chamada “Provas de amor” tem algumas rimas que me chamaram a atenção. Veja essa: “Combinamos destruir, mas sempre estamos enganados vendo-o ressurgir.” e tem o refrão bastante marcante: “Existem provas de amor (...), não existe o amor.” O amor vale pela ação, pelo comportar-se. Neste sentido, o amor é aprendido e quando a sensação desaparece o casal pode reacendê-lo com paciência e dedicação (ação) ao outro tornando-o cada vez mais profundo. Além disso, o amor aprendido pelo ser humano pode ter várias formas, vários desenhos tornando-o uma das mais belas aquisições humanas. Todavia, o amor depende de comportamento, de como você o cultiva. Por isso não se pode dizer que é um sentimento eterno, mas depende de contingências que produzem tal sentimento. Frequentemente, penso no amor maduro como o amor ao ser e ao crescimento do outro, que é o Amor Agápico. Lao Tse disse certa vez: “Amar não é apoderar-se do outro para completar-se, mas dar-se ao outro para completá-lo.” Este amor envolve profundidade e cumplicidade o que torna a relação mais saborosa e proveitosa. Para experienciar este novo amor é necessário aceitar como as pessoas são e parar de querer reformá-las, como diz a sabedoria oriental: “Paixão é cegueira... Amor... é lidar com os defeitos do outro.” Além disso, desenvolver tolerância, empatia, uma boa comunicação com o parceiro etc.

Copyright © 2010 Reginaldo do Carmo Aguiar. Todos os direitos reservados.
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Reginaldo do Carmo Aguiar é psicólogo clínico comportamental, analista do comportamento e estudioso das Neurociências.

Um comentário:

Tatiana disse...

Oi Reginaldo, tudo bem? Aproveitei o findi para xeretar no seu blog, achei muito interessante! Com toda certeza irei divulgar.
Abraço, Tatiana (outra behaviorista no forró!rs)