domingo, 15 de outubro de 2006

Sobre estar sem sentido e desesperança

Cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço

— Não disto nem daquilo,

Nem sequer de tudo ou de nada

Cansaço assim mesmo, ele mesmo,

Cansaço

A sutileza das sensações inúteis,

As paixões violentas por coisa nenhuma,

Os amores intensos por o suposto em alguém,

Essas coisas todas

— Essas e o q falta nelas eternamente —

Tudo isso faz um cansaço,

Este cansaço,

Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,

Há sem dúvida quem deseje o impossível,

Há sem dúvida quem não queira nada

— Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:

Pq amo infinitamente o finito,

Pq desejo impossivelmente o possível,

Pq quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,

Ou até se não puder ser E o resultado?

Para eles a vida vivida ou sonhada,

Para eles o sonho sonhado ou vivido,

Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...

Para mim só um grande, um profundo,

E, ah com que felicidade infecunda, cansaço,

Um supremíssimo cansaço, Íssimno, íssimo, íssimo Cansaço...

(Álvaro de Campos)

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Entrevista

Vida que morre e que subsiste

Vária, absurda, sórdida, ávida,

Má!Se me indagar um qualquer

Repórter:"Que há de mais bonito

No ingrato mundo?

"Não hesito; Responderei:"

De mais bonito

Não sei dizer.

Mas de mais triste,

- De mais triste é uma mulher Grávida.

Qualquer mulher grávida."

Manuel Bandeira, p.242

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Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida

Eu sou a que na vida não tem norte

Sou a irmã do Sonho, e desta sorte

Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida

E que o destino amargo, triste e forte,

Impele brutalmente para a morte!

Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...

Sou a que chamam triste sem o ser...

Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,

Alguém que veio ao mundo pra me ver

E que nunca na vida me encontrou!

Florbela Espanca, p.39

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A Estrela

Vi uma estrela tão alta,

Vi uma estrela tão fria!

Vi uma estrela luzindo

Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!

Era uma estrela tão fria!

Era uma estrela sozinha

Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância

Para a minha companhia

Não baixava aquela estrela?

Por que tão alto luzia?

E ouvi-a na sombra funda

Responder que assim fazia

Para dar uma esperança

Mais triste ao fim do meu dia.

Manuel Bandeira

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