terça-feira, 26 de setembro de 2006

Sobre a necessidade da escrita

"Muitas vezes me perguntei por que gosto de escrever (à mão, claro), a tal ponto que em muitas ocasiões o esforço tantas vezes ingrato do trabalho intelectual é resgatado, a meu ver, pelo prazer de ter diante de mim (assim como a mesa do artesão) uma bela folha de papel e uma boa caneta: ao mesmo tempo que reflito no que devo escrever (é o que acontece neste exato momento), sinto minha mão agir, virar, ligar, mergulhar, levantar-se e freqüentemente, no ato das correções, rasurar ou estilhaçar a linha, aumentar o espaço até a margem, construindo assim, a partir de traços miúdos e aparentemente funcionais (as letras), um espaço que é simplesmente o espaço da arte: sou artista, não no sentido de figurar um objeto, porém mais fundamentalmente porque na escrita meu corpo goza ao traçar, incisar ritmicamente uma superfície virgem (sendo o virgem o infinitamente possível)".

Barthes.

"(...) penso no absurdo de escrever. De estar a escrever quando podia estar com os amigos, ir ao cinema, ir dançar que é uma coisa de que gosto... mas não, um tipo está ali e é um bocado esquizofrénico. (...) Há sempre uma parte subterrânea nas obras de arte impossível de explicar. Como no amor. Esse mistério é, talvez seja, a própria essência do acto criador. (...) Quando criamos é como se provocássemos uma espécie de loucura, quando nos fechamos sozinhos para escrever é como se nos tornássemos doentes. A nossa superfície de contacto com a realidade diminui, ali estamos encarcerados numa espécie de ovo... só que tem de haver uma parte racional em nós que ordene a desordem provocada. A escrita é um delírio organizado."

António Lobo Antunes

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