Hino dos Comedidos (Lupe Cotrin)
Não me agradam esses homens bem fracionados no tempo, cedendo-se amavelmente em todas as ocasiões. E mais também não me agradam os partidários tão vários de toda a moderação. Passo distante dessa gente comedida e moderada, que guarda o vinho 20 anos para bebê-lo mais velho, homens de ferro que só sabem anunciar a mensagem da espera, que aguardam o momento oportuno, que, sempre expelindo relógios, resistem à melhor viagem, que desconhecem as emoções, que sabem apenas sofrer sincronizados as tristezas publicadas nos jornais. Adeus, moderados. Adeus, que sou diferente: compreendo a mulher que rasga as vestes e sinto imensa ternura pelo homem desesperado.
Sobre o(a) autor(a):Lupe Cotrin foi professora na USP/ECA na década de 60/70.
"Eu vim" (Murilo Mendes)
Eu não nasci no começo desse século. Eu nasci no plano do eterno. Eu nasci de mil vidas superpostas. Nasci de mil ternuras desdobradas. Eu vim para conhecer o mal e o bem. E para separar o mal e o bem. Eu vim para amar e ser desamado. Eu vim para ignorar os grandes e consolidar os pequenos. Eu não vim construir a minha riqueza. Não vim construir a minha própria riqueza. Mas não vim para destruir a riqueza dos outros. Eu vim para reprimir o choro formidável. Esse choro formidável que as gerações anteriores me transmitiram. Eu vim para experimentar a dúvida e a contradição. E aprendi que é preciso idolatrar a dúvida.
Sobre o(a) autor(a):Um dos maiores poetas brasileiros, Murilo Mendes, nasceu em Juiz de Fora - MG em 1901.Foi professor de cultura brasileira na Universidade de Roma.Faleceu em 1975 em Lisboa.
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