quarta-feira, 27 de setembro de 2006

Sobre a verdade

A Verdade (Cruzeiro Seixas)

Como posso saber se o que vejo desta janela é de fato a paisagem que vejo?...
Há muito, finjo acreditar em coisas que o homem teima em trocar pela fragilidade do vidro.
Deus existe?...Deus não existe?...Ambas as coisas são verdade ao mesmo tempo.
Pergunto-me e pergunto-lhe se a verdade existe mais que um milésimo de segundo.
Nada é eterno. A eternidade passa depressa como a ciência.

Sobre o(a) autor(a): Cruzeiro Seixas, pintor e poeta, nome essencial vinculado ao Surrealismo em Portugal. Em parte por ligação direta com as artes plásticas tem sido um poeta, infelizmente, pouco percebido.

T. Todorov

Nada é mais perigoso que a certeza de ter razão.
É preciso idolatrar a dúvida.

Sobre o(a) autor(a):Crítico francês de origem búlgara. Estudou na Universidade de Sofía. Desde 1982 se consagrou em estudos de fenômenos históricos e aspectos da filosofia moral.


Esperança (Cruzeiro Seixas)

Todo o meu esforço canalizo para a vida. Não para o equilíbrio, não para as certezas. Caminho suportando nas costas todo o peso da desesperança, pois que a esperança, é ridículo, dramático, que a humanidade ainda precise de tê-la. Esperança em quê? Em remédios que curem?... Em poemas que se dão de mão em mão?E as cartas sem resposta?E os becos sem saída?E a nova hipocrisia?E o deus-dinheiro que nos espreita a cada esquina?... e a África? E a América Latina?...E todas essas universidades e tantos analfabetos?...Toda gente sabe a extensão da verdade: surpreendendo a paisagem esfomeada, o gatilho já não precisa do dedo de ninguém.

Sobre o(a) autor(a): Cruzeiro Seixas, pintor e poeta, nome essencial vinculado ao Surrealismo em Portugal. Em parte por ligação direta com as artes plásticas tem sido um poeta, infelizmente, pouco percebido.

Não entendo (Clarice Lispector)

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

Sobre o(a) autor(a): A escritora nasceu na Ucrânia, mas viveu no Brasil desde os dois meses de idade. Suas obras mais famosas incluem Laços de Família, A Paixão Segundo G.H. e A Hora da Estrela. Nos textos, Clarice explora a solidão e a incomunicabilidade humana.




Eterno (Carlos Drummond de Andrade)


Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo,
Mas com tamanha intensidade, que se petrifica,
E nenhuma força jamais o resgata!

Fácil é ouvir a música que toca.
Difícil é ouvir a sua consciência.
Acenando o tempo todo, mostrando nossas escolhas erradas.

Fácil é ditar regras.
Difícil é segui-las.
Ter a noção exata de nossas próprias vidas,
Ao invés de ter noção das vidas dos outros.

Fácil é perguntar o que deseja saber..
Difícil é estar preparado para escutar esta resposta.
Ou querer entender a resposta.

Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade.
Difícil é sorrir com vontade de chorar ou chorar de rir, de alegria.

Fácil é dar um beijo.
Difícil é entregar a alma.
Sinceramente, por inteiro.

Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida.
Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar
Como você é e te fazer feliz por inteiro.

Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefônica.
Difícil é ocupar o coração de alguém

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